Cresci aprendendo que polícia é uma coisa ruim. No meu círculo social ninguém era policial. Polícia era para ser temida; delegacias eram lugares tenebrosos. O nome “camburão” inspirava imagens de regime militar e autoritarismo.
Na escola nunca me explicaram a função da polícia, como ela se organizava ou que benefícios ela gerava. Em absolutamente todos os livros, filmes, gibis, programas de televisão, peças de teatro e músicas que eu consumia polícia significava opressão, violação de direitos, extorsão ou tortura.
Nos mitos e lendas urbanas da minha adolescência, nos anos 70, os heróis eram foras-da-lei, marginais ou “guerrilheiros”, santificados por uma suposta rebeldia contra o “sistema”. E o sistema era, principalmente, a polícia. Era bonito enganar “os hômi”. Era bonito ser bandido. Uma das obras de Hélio Oiticica mostrava o bandido Cara-de-Cavalo, famoso nos anos 60, estendido no chão. Título da obra: “Seja Marginal, Seja Herói”.
Não me esqueço quando o pai de uma antiga namorada me contou, com orgulho, como tinha resolvido o problema de um sobrinho bêbado, que tinha causado um acidente envolvendo vários carros. “Conversei com o delegado”, dizia ele, sem deixar dúvidas sobre que tipo de conversa tinha sido aquela.
No final da minha adolescência Brizola chegou ao governo do Rio, e a mídia formou um bloco sólido dedicado a denunciar, sem tréguas, a violência e a corrupção da polícia. Os relatos de pessoas mortas por policiais, presas sem razão ou torturadas enchiam os jornais. Nossos heróis eram os que enfrentavam, desmascaravam e derrotavam a polícia: os militantes de esquerda, os sociólogos, os jornalistas, os donos de ONGs e a Anistia Internacional.
Nunca, jamais, em tempo algum, da minha infância até os meus 27 anos, eu vi alguém defendendo ou elogiando a polícia. Nunca ouvi alguém explicando que a polícia era necessária e que, na maior parte dos casos, cada sociedade tem a polícia que deseja. Tive que mudar de país para ver isso.
Fui morar nos EUA e descobri que a polícia é um dos fundamentos de uma sociedade livre. Nenhuma polícia – nem as dos Estados Unidos – é formada por santos. Basta lembrar da história de Serpico (1), ou entender como as delegacias americanas na virada do século XIX para o XX eram centros de corrupção e uso político da força (2). Corrupção e abuso existem em todas as instituições. A polícia reflete a sociedade que a criou.
Nos EUA o policial mora ao seu lado. No Brasil, em geral, ele mora em um subúrbio longínquo, ou em uma “comunidade carente” (eufemismo para favela), ao lado de criminosos. Os policiais do Rio de Janeiro escondem a identidade funcional fora de serviço, temendo a morte certa se abordados por bandidos.
A transformação da polícia dos EUA em força em defesa da cidadania começou quando os salários se tornaram decentes. No Brasil, a vasta maioria dos policiais tem um segundo emprego – o “bico” – sem o qual é impossível se sustentar.
Voltei para o Brasil entendendo para que serve a polícia, e cheio de perguntas. A policia nos EUA é essencialmente municipal. Por que no Brasil é apenas estadual e federal ? A lei penal dos EUA também é estadual. Por que no Brasil é federal ? O trabalho policial no Brasil é dividido entre duas forças. Uma patrulha as ruas – a Polícia Militar – e a outra investiga os crimes – a Polícia Civil. Por que ? Nunca me explicaram isso, na escola, na faculdade ou em outro lugar qualquer.
Tive que estudar para entender como funciona – ou não funciona – nossa polícia, a justiça criminal e o sistema penitenciário. O que vi me deixou horrorizado. Não vou repetir aqui as estatísticas que todos já deveriam conhecer (3). O que eu quero saber é: porque a sociedade brasileira tem ojeriza aos policiais, se eles são nossa última defesa contra a barbárie ?
Todos viram na TV as decapitações e os churrascos humanos das rebeliões dos presídios. Essa turma faz isso preso; imagine o que não farão soltos nas ruas. Quem vai enfrentar esse tipo de gente ?
Vocês viram os saques do Espírito Santo ? O mesmo aconteceu nos EUA, depois do furacão Katrina. É da natureza humana. Quem vai às ruas, arriscar sua vida, para controlar uma situação como essa ?
Como podemos ter, um dia, uma polícia decente, se a opinião unânime da mídia, da academia e dos intelectuais é que polícia é uma coisa ruim e os criminosos são pobres vítimas da sociedade ?
Por que tanta gente sensata e preparada se mobiliza com o “drama” dos criminosos presos, mas é insensível ao drama de uma sociedade onde todos já foram assaltados e vivem com medo ? Por que achamos que alguém ser assaltado, agredido, roubado de sua propriedade ou até morto, é justo e compreensível à luz da “justiça social” ?
Que perversão moral e intelectual é essa ?
Todos odeiam a Polícia Militar. Mas todos querem um PM por perto. O efetivo do Rio de Janeiro é de aproximadamente 50 mil policiais, mas apenas uma pequena parte está nas ruas combatendo o crime porque há os inúmeros policiais realizando serviços administrativos, tocando na banda da PM, cedidos à Secretaria de Segurança, aos tribunais, ao Ministério Público, aos palácios e aos Municípios.
Todos odeiam a PM, mas todo mundo quer um PM para chamar de seu.
Não escrevo um tratado de sociologia de botequim. Esse campo já foi ocupado por “especialistas” como D. Julita “Acaju” Lemgruber, Inácio Entrei-Pelo-Cano e toda a turma do Fórum Nacional Esquerdista de Segurança Pública. A única questão que pretendo colocar é essa: se a polícia é um dos fundamentos de uma sociedade civilizada, por que a desprezamos tanto?
Se tratamos a polícia como lixo, quem vai nos proteger ?
Há muitos anos os Titãs, uma das melhores bandas de rock, compôs a música Polícia, cujo refrão era “polícia para quem precisa, polícia para quem precisa de polícia”. Alguns anos depois a namorada do baterista Charles Galvin, foi sequestrada e levada para um cativeiro na favela do Vidigal.
Adivinhe quem a libertou do cativeiro ?
Não foi o Batman.
Não foi o Che Guevara.
Não foi a Julita Lemgruber.
Ela foi libertada por agentes da divisão Antissequestro.
Ela foi libertada – imaginem vocês – pela polícia.
A única garantia da liberdade e da vida é a força das armas nas mãos das pessoas corretas.
O resto é veneno ideológico de quem ganha vida explorando a ignorância e a compaixão dos inocentes.
Roberto Motta
Empreendedor, professor, engenheiro, mestre em gestão, escritor e pai. Ativista político e defensor da liberdade do indivíduo contra todas as tiranias.