Passados 50 anos do Golpe de 1964, documentos e informações sobre um dos
episódios mais importantes da história recente do país continuam a ser
descobertos. E mais uma leva de seminários, debates, manifestações e
eventos especiais característicos das chamadas datas redondas de um
acontecimento histórico está em curso. A diferença é que, agora, o
debate, dentro e fora da área acadêmica ou dos trabalhos da Comissão
Nacional da Verdade, procura esmiuçar a participação da sociedade no
golpe. E estabelecer diferenças entre o apoio ao golpe e àquele dado à
manutenção do regime militar que se estendeu até os anos 1980.
“Estatisticamente, um número grande de pessoas apoiou o golpe, as prisões, a cassação de mandatos e a intervenção. A adesão à repressão política também era grande. É verdade que esse apoio não era assim tão sólido. Mas muita gente aderiu à ideia de que havia um risco político grave da parte de uma esquerda revolucionária comunista”, afirma o professor do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rodrigo Patto Sá Motta.
Autor de livros que tratam sobre o anticomunismo no Brasil, o golpe e a ditadura militar, Motta trabalha no momento com pesquisas de opinião feitas no país entre os anos de 1964 e 1965, que apontam para o apoio social à derrubada do então presidente João Goulart. Mesmo entre especialistas, porém, não há consenso sobre o apoio e participação massiva da sociedade.
“Prefiro dizer que o golpe foi empresarial militar com participação efetiva de uma parcela da sociedade. É importante começarmos a fazer uma caracterização mais profunda desta categoria chamada civil, um termo que, aliás, foi cunhado pelos militares. É sobre estes pontos que está centrado o debate atual sobre o golpe”, diz a coordenadora de Documentação do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas, Martina Spohr.
Com estudos a respeito do papel desempenhado pelo Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes) à época do movimento que tirou João Goulart da Presidência e sobre a rede de relações anticomunistas então existentes no país, Spohr questiona o peso dado a pesquisas de opinião e grandes eventos. "Pesquisas de opinião podem passar uma ideia falsa. Da mesma forma, dizer que um episódio como a Marcha da Família, que aconteceu em um momento de muito tensionamento, ilustra o apoio da sociedade, é reduzir o debate."
Influência americana ainda é dúvida
A análise sobre os atores e o momento político e social do golpe de 1964 e suas consequências está, admitem os próprios especialistas, ainda em seu início. A proximidade dos fatos (50 anos são quase nada em termos históricos), a série de fontes documentais ainda não consultadas ou abertas e as relações com o contexto internacional estão entre os fatores que vão prolongar o debate sobre o golpe.
No contexto interno, para quem examina documentos, a tomada do poder pela força parecia ser uma questão de tempo nas décadas que antecederam 1964, com os diferentes campos políticos à esquerda e à direita acusando-se mutuamente de tentativas de golpe.
O Brasil de 1964 tinha o que se chama de 'tradição republicana democrática' quase insipiente. Menos de três décadas antes, Getúlio Vargas mantivera o país sob ditadura por um período de sete anos. E, mesmo depois dela, havia voltado ao poder eleito pelo voto popular. Os militares, por sua vez, ocupavam papel central no jogo político desde que, 75 anos antes, haviam posto fim ao Império e instituído a República no que parte dos especialistas também aponta como um golpe.
Pesquisadores como Caio Navarro de Toledo e Argelina Cheibub Figueiredo chamam a atenção para o fato de que, no contexto interno, o confronto entre os grupos políticos concorrentes se tornou tão acirrado em 1964 a ponto de, para estes grupos, parecer impossível resolver a disputa dentro das regras do jogo democrático. Essa 'sensação' deu fôlego ao batido argumento de que para fortalecer a democracia era preciso romper as regras democráticas. Que, mais tarde, se transformou na tese do contragolpe preventivo.
No contexto externo, os estudos se concentram na participação direta ou indireta dos Estados Unidos nos acontecimentos da época e na influência de autoridades norte-americanas na preparação e na consolidação do regime militar. No período em que o mundo vivia a Guerra Fria, os países precisavam cerrar fileiras ao lado dos Estados Unidos ou da então União Soviética.
Para completar o quadro, também se multiplicam pesquisas sobre a diferenciação entre o apoio ao golpe e àquele dado à ditadura que se seguiu. "É preciso que se diga que a partir de 1968 muitos dos que haviam apoiado o golpe passaram a criticar o regime, mas que, em diversas situações, as críticas eram de viés econômico, e não em relação à repressão. Há diferenças que não podem ser agrupadas", alerta a historiadora Martina Spohr.
“Estatisticamente, um número grande de pessoas apoiou o golpe, as prisões, a cassação de mandatos e a intervenção. A adesão à repressão política também era grande. É verdade que esse apoio não era assim tão sólido. Mas muita gente aderiu à ideia de que havia um risco político grave da parte de uma esquerda revolucionária comunista”, afirma o professor do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rodrigo Patto Sá Motta.
Autor de livros que tratam sobre o anticomunismo no Brasil, o golpe e a ditadura militar, Motta trabalha no momento com pesquisas de opinião feitas no país entre os anos de 1964 e 1965, que apontam para o apoio social à derrubada do então presidente João Goulart. Mesmo entre especialistas, porém, não há consenso sobre o apoio e participação massiva da sociedade.
“Prefiro dizer que o golpe foi empresarial militar com participação efetiva de uma parcela da sociedade. É importante começarmos a fazer uma caracterização mais profunda desta categoria chamada civil, um termo que, aliás, foi cunhado pelos militares. É sobre estes pontos que está centrado o debate atual sobre o golpe”, diz a coordenadora de Documentação do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas, Martina Spohr.
Com estudos a respeito do papel desempenhado pelo Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes) à época do movimento que tirou João Goulart da Presidência e sobre a rede de relações anticomunistas então existentes no país, Spohr questiona o peso dado a pesquisas de opinião e grandes eventos. "Pesquisas de opinião podem passar uma ideia falsa. Da mesma forma, dizer que um episódio como a Marcha da Família, que aconteceu em um momento de muito tensionamento, ilustra o apoio da sociedade, é reduzir o debate."
Influência americana ainda é dúvida
A análise sobre os atores e o momento político e social do golpe de 1964 e suas consequências está, admitem os próprios especialistas, ainda em seu início. A proximidade dos fatos (50 anos são quase nada em termos históricos), a série de fontes documentais ainda não consultadas ou abertas e as relações com o contexto internacional estão entre os fatores que vão prolongar o debate sobre o golpe.
No contexto interno, para quem examina documentos, a tomada do poder pela força parecia ser uma questão de tempo nas décadas que antecederam 1964, com os diferentes campos políticos à esquerda e à direita acusando-se mutuamente de tentativas de golpe.
O Brasil de 1964 tinha o que se chama de 'tradição republicana democrática' quase insipiente. Menos de três décadas antes, Getúlio Vargas mantivera o país sob ditadura por um período de sete anos. E, mesmo depois dela, havia voltado ao poder eleito pelo voto popular. Os militares, por sua vez, ocupavam papel central no jogo político desde que, 75 anos antes, haviam posto fim ao Império e instituído a República no que parte dos especialistas também aponta como um golpe.
Pesquisadores como Caio Navarro de Toledo e Argelina Cheibub Figueiredo chamam a atenção para o fato de que, no contexto interno, o confronto entre os grupos políticos concorrentes se tornou tão acirrado em 1964 a ponto de, para estes grupos, parecer impossível resolver a disputa dentro das regras do jogo democrático. Essa 'sensação' deu fôlego ao batido argumento de que para fortalecer a democracia era preciso romper as regras democráticas. Que, mais tarde, se transformou na tese do contragolpe preventivo.
No contexto externo, os estudos se concentram na participação direta ou indireta dos Estados Unidos nos acontecimentos da época e na influência de autoridades norte-americanas na preparação e na consolidação do regime militar. No período em que o mundo vivia a Guerra Fria, os países precisavam cerrar fileiras ao lado dos Estados Unidos ou da então União Soviética.
Para completar o quadro, também se multiplicam pesquisas sobre a diferenciação entre o apoio ao golpe e àquele dado à ditadura que se seguiu. "É preciso que se diga que a partir de 1968 muitos dos que haviam apoiado o golpe passaram a criticar o regime, mas que, em diversas situações, as críticas eram de viés econômico, e não em relação à repressão. Há diferenças que não podem ser agrupadas", alerta a historiadora Martina Spohr.
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