O segundo ano do Governo Elmano começa sob pressão. Passada a euforia da vitória, é preciso mostrar os primeiros resultados. A paciência do eleitorado já não é a mesma de antes, muito menos o cenário político que se descortina a partir das eleições municipais. São diversos os desafios e enfrentamentos a serem travados pelo governante, mas vou me deter apenas aos que estão circunscritos à área da segurança pública:
*Números da violência letal em alta. Se as estatísticas de homicídios do primeiro ano do governo Elmano terminaram empatadas com a de seu antecessor, os assassinatos em 2024 já superam com certa folga os números do ano passado*. Em março, por exemplo, são 204 crimes violentos letais intencionais (CVLIs) registrados pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) contra 159 no mesmo período de 2023. A contagem compreende os dados coletados entre os dias 1º e 20 deste mês.
Essa escalada teve início no último trimestre do ano passado, mas só agora se apresenta de forma consistente, como uma tendência de crescimento e não mais como um pico. Os governos Camilo e Izolda entregaram a
pasta da segurança pública com os números da violência letal em queda, uma conquista relevante para um Estado que despontava com um incômodo destaque nos rankings dos mais violentos. Retornar a patamares
mais
elevados de homicídios é ver todo esse esforço ser desfeito.
Há um incômodo na corporação. Costumo interagir quase que diariamente com profissionais da segurança, sejam eles civis ou militares, e as queixas são recorrentes. Há uma insatisfação difusa com o atual governo pelos motivos mais diversos: da falta de menção nas redes sociais do governador aos assassinatos de policiais até a demora em receber benefícios já previstos em lei, passando pela relação sempre conflituosa entre os policiais que recebem e os que não recebem gratificação.
Para quem está fora desse universo, tais reclamações podem soar insignificantes, mas para quem opera diuturnamente sob condições hostis de trabalho, agravadas pela forte hierarquização que impera em tais instituições, cada gesto vale muito. Os sinais emitidos pelo Palácio da Abolição à tropa são importantes, bem como os silêncios, e é nessas brechas que
a oposição ganha musculatura ao dizer o que o policial quer ouvir, ainda que esse discurso soe populista.
Como essas reclamações chegam ao governador Elmano, se realmente chegam, e o que fazer a partir disso são questões que os gestores da SSPDS e assessores do governo precisarão lidar sob o risco de perder a tropa de vez. Este é o momento oportuno de ouvir os chatos de plantão e não somente os eternos portadores de boas notícias (remunerados ou não).
O ônus de ser vitrine. Basta dar uma olhada nas redes sociais para ver que a movimentação política está toda concentrada nas eleições municipais. No entanto, as agruras do cotidiano não podem ser varridas para debaixo do tapete até lá. As ações e omissões do governo estadual terão reflexos entre os candidatos do
Palácio da Abolição, em
especial no que diz respeito ao tema da segurança pública.
Essa preocupação se torna ainda mais presente quando vemos que a direita montou uma estratégia de contar com seus políticos mais
estridentes concorrendo
a uma vaga de prefeito nos municípios que compõem a região
metropolitana. Não é preciso muita imaginação para saber que as políticas de segurança serão os principais alvos de ataques, o que pode minar a pretensão de os candidatos governistas se elegerem. A resposta do eleitorado servirá como termômetro da efetividade da gestão estadual nesse setor.
A política prisional está se dissolvendo. Quando surgiu, a política do procedimento trouxe um choque de gestão aos presídios cearenses, com impactos até mesmo na redução dos números da violência letal do Ceará. No entanto, passados cinco anos de sua implementação, é
possível constatar a fadiga
dessa estratégia: as fugas se sucedem, os policiais penais estão exaustos e insatisfeitos, drogas e celulares continuam entrando nas unidades prisionais.
Há quem diga que a manutenção do secretário Mauro Albuquerque no cargo é um elemento vital para que o Estado consiga lidar com as facções. A dinâmica atual do crime organizado, com suas reconfigurações e novos atores criminais, contudo, mostra que o controle estatal exercido nos presídios não representa mais uma garantia quanto a isso. Resta saber o que fazer a partir
“Os sinais emitidos
pelo Palácio da Abolição à tropa são importantes, bem como os silêncios, e é nessas brechas que a oposição ganha musculatura ao dizer o que o policial quer ouvir, ainda que esse discurso soe populista”
de agora com essa herança do Governo Camilo.
Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV/UFC)
FONTE: Jornal o Povo 25.03.2024 página 17
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