A violência como uma epidemia



E se a violência fosse compreendida como uma doença contagiosa e encarada como um problema de saúde pública? Para quem acha que os problemas de segurança pública só se resolvem com mais polícia na rua, essa ideia certamente é absurda. Para o médico epidemiologista americano Gary Slutkin, contudo, essa abordagem resultou em uma estratégia bem-sucedida de lidar com os tiroteios e mortes causados por confrontos entre gangues rivais nas áreas mais violentas da cidade de Chicago.

O programa, conhecido como Cura Violência (cureviolence.org), encara o crime violento como uma “epidemia” que pode ser transmitida de pessoa-a-pessoa de forma contagiosa. A inspiração de Slutkin, como explica em vídeo para uma plateia do Ted Talk, veio de sua própria experiência com doenças contagiosas em Uganda. Segundo o médico, as formas de manifestação das duas “epidemias” são bastante parecidas quando vistas por meio de gráficos. Os casos vêm sob a forma de ondas e se concentram em pontos específicos.

Um dos meios adotados pelo Cura Violência para interromper a propagação da epidemia do conflito violento é a intervenção de agentes conhecidos como “interruptores”, lideranças locais com ascendência na comunidade e que, por essa razão, conseguem se fazer ouvidos.

Os “interruptores” tentam convencer possíveis agressores a não resolver seus conflitos por meio do uso de armas de fogo, bem como amigos e familiares das vítimas a não revidar da mesma forma. Não há vínculo dos agentes com a Polícia. O passo seguinte é encorajar uma mudança de comportamento que supere o recurso intensivo à violência. Daí o porquê de “cura” no título do programa.

A iniciativa foi avaliada pelo Departamento de Justiça americano em 2008. Das sete áreas pesquisadas, cinco apresentaram uma expressiva queda no índice de assassinatos. A estratégia adotada em Chicago foi matéria de jornais, revistas e acabou sendo retratada em um documentário, The Interrupters, de 2011. O filme mostra o cotidiano de três “interruptores”. Por causa de toda essa repercussão, o programa está sendo replicado em outras cidades americanas e, até mesmo, fora dos Estados Unidos. Novas avaliações permitirão saber se a estratégia é eficaz em contextos socioculturais diferentes.

Embora a proposta de encarar o crime violento como uma epidemia pareça, à primeira vista, uma visão naturalista do crime, ela traz como mérito o engajamento da própria comunidade na busca por soluções. Além disso, compreende o assassinato como um nó relevante em uma rede de relações sociais e não apenas como um fenômeno isolado.

O Cura Violência não pode ser pensado como um modelo que dê respostas a todos os problemas da segurança pública, mas como uma ação complementar. Não há informações mais consolidadas, por exemplo, sobre o seu impacto contra os latrocínios (roubo seguido de morte). Seu maior mérito é o de propor um novo olhar sobre a estratégia de combate aos homicídios: em vez da repressão pura e simples, diagnóstico, prevenção e mudança de comportamento.

"Embora a proposta de encarar o crime violento como uma epidemia pareça, à primeira vista, uma visão naturalista do crime, ela traz como mérito o engajamento da própria comunidade na busca por soluções"


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