Sargento resgatado por colegas: ´Ele colocou a arma na minha cara´, diz PM preso por delegado no AC

Wendel diz que teve arma apontada pelo delegado  (Foto: Amanda Borges/G1) 
 Policial Wendel diz que teve arma apontada pelo
delegado (Foto: Amanda Borges/G1)

A Delegacia de Flagrante (Defla) foi o cenário da confusão do último sábado (1) entre o delegado de Polícia Civil, Leonardo Santa Bárbara e o sargento Wendel da Silva, policial de trânsito da Polícia Militar. Depois de se negar a aplicar o teste de bafômetro em um motoqueiro autuado durante um acidente de trânsito, o sargento recebeu voz de prisão e foi acusado de desobediência e falso testemunho. Ao saber do ocorrido, ao menos 50 homens da PM e do Batalhão de Operações Especiais (Bope) fortemente armados invadiram a delegacia para resgatar o policial preso causando tumulto no local.

Trabalhando no trânsito há 10 anos, Wendel, de 32 anos, alega que sempre teve um bom comportamento como policial e que mesmo durante o problema com o delegado Leonardo, manteve a calma. Segundo o sargento, Leonardo ficou extremamente exaltado após sua recusa em fazer o teste de bafômetro no motoqueiro.

“Ele começou a gritar, alterado, ‘eu mandei você fazer o bafômetro, se você não fizer eu vou mandar lhe prender por desobediência’”, relata. Wendel conta que segundo o próprio regimento da PM, a situação deve ser acompanhada por um superior, e após o delegado avisar que iria autuá-lo por desobedecer a ordem, ligou para o tenente-coronel Márcio Alves.

“Eu voltei para a sala e disse que estava chegando um superior meu. Depois de um tempo o tenente chegou, eu expliquei a situação para ele e voltei para ser ouvido pelo delegado. O Leonardo deixou um policial civil na sala e eu pedi para o tenente também ficar comigo lá, ele negou e disse que era o dono da delegacia e todos os policiais militares eram subordinados a ele. Eu como condutor, aplicando a lei, fui tratado como o inverso, como se estivesse fazendo algo errado e eu simplesmente fui levar à delegacia o condutor que cometeu um crime”, conta.

Segundo o PM, após impedir a entrada do superior, houve uma tentativa de gravar a conversa pelo celular, porém o delegado também impediu a ação. Com os ânimos mais calmos, Leonardo teria ouvido o PM, impresso a ocorrência sobre a negação do pedido de realizar o bafômetro e entregue a Wendel. Orientado pelo tenente a não assinar a parte do documento em que falava de sua negação, o PM teria então recebido uma nova acusação por falso testemunho.

“Ele perguntou se eu não iria assinar, eu disse que assinaria até certo ponto. Nesse momento o delegado bateu na mesa, levantou e disse ‘sargento você está preso por falso testemunho!’, colocou a arma na minha cara, foi arrodeando a mesa e abriu a porta com a arma em punho, chamando os outros policiais”, explica

De acordo com Wendel, o delegado começou a fazer várias ligações para outros delegados da Polícia Civil, que provavelmente não estavam de plantão e então eles começaram a chegar. “Eles chegaram de bermuda e blusa entrando e fechando a sala. Aí pegaram e me levaram para o escrivão me qualificar porque eu já estava preso por falso testemunho”, esclarece.

Wendel conta que quando o delegado disse que ia levá-lo para a cela, ele contestou alegando que como policial não podia dividir a cela com outras pessoas, incluindo o suspeito que tinha levado para a delegacia e que provavelmente estaria no mesmo local.

“Ele disse que era o delegado, que era autoridade máxima, que mandava em todo mundo e todos eram seu subordinados. Ele incorporou um semi-deus naquela hora”, diz.

Para Wendel não houve invasão ou resgate, para ele houve uma ação arbitrária quando o tenente Márcio impediu que fosse levado para a cela. Com isso os delegados que foram chamados por Leonardo quiseram forçar Wendel a cumprir a ondem do delegado Leonardo, o que acabou gerando uma confusão na delegacia.

“Me agrediram e me puxaram. Foi nesse momento que a PM sentiu que devia me retirar daquele local dado que os delegados estavam extremamente exaltados. Teve um delegado que fez até menção de pegar a pistola. Acharam por bem me colocar em uma viatura até que a história se desenrolasse, mas não houve resgate, a PM agiu na conformidade da lei, dentro dos princípios legais do direito ”, pontua.

Segundo o sargento, agora as medidas legais vão ser tomadas. Com toda a documentação do ocorrido em mãos, o PM pretende levar o caso ao Ministério Público para que se investigue o abuso de autoridade cometido pelo delegado.

O G1 tentou ouvir o delegado Leonardo Santa Barbara para que ele comentasse as acusações feitas pelo policial, mas até o fechamento desta matéria ele não havia sido localizado.

AdvogadoWellington da Silva, advogado da Associação, diz que foram várias as ilegalidades cometidas pelo delegado durante o ocorrido. Para ele, a partir do momento em que Wendel entregou o relatório do acidente e a delegacia recebeu, o trabalho do sargento teria terminado ali, e nada mais podia ser (re)feito, incluindo o pedido para que o condutor da moto envolvida no acidente fosse novamente oportunizado a fazer o teste.

“A única função dele ali devia ser ouvido para dar informações sobre a ocorrência e depois ser liberado para voltar para a rua. O delegado então exigiu que o PM fizesse um procedimento ilegal, que seria oportunizar novamente para que o cidadão fizesse o bafômetro, só que no momento em que o cidadão se nega a fazer esse exame ele já é autuado, deve ser autuado e foi o que ocorreu”, fala.

Para Wellington, se Wendel tivesse acatado a ordem também estaria cometendo um crime, pois já tinham se passado mais de 3h após o acidente e os vestígios de álcool também poderiam ser insuficientes no bafômetro, o que contradiria o primeiro relatório assinado pelo PM.

Outros atos ilegais que foram cometidos, segundo o advogado, foram o procedimento adotado pelo delegado para acusar Wendel de falso testemunho e desobediência, o que seria um ‘crime de constrangimento ilegal’, a ação de apontaruma arma, cometendo o crime de ameaça, o impedimento de um superior em acompanhar a situação, o encaminhamento do policial preso à cela comum e também a forma que foi feita as denúncias, já que os documentos não foram formalizados.

“No momento o delegado estava dando ordem de prisão para todo mundo. Pode dar ordem de prisão? Qualquer um pode, mas sem a formalidade que a lei prevê e sem as condições para que haja essa prisão em flagrante, essa prisão não se consuma”, explica.

Para Wellington, os PMs impediram que uma prisão ilegal se cumprisse, além disso, a ação dos policiais impediram que algo pior acontecesse, dado o perigo da situação. O advogado também explica que o delegado se equivocou em taxar Wendel como ‘foragido’, já que em nenhum momento o policial foi julgado, ou até mesmo a denúncia tenha sido oficializada.

“Ele não é foragido, porque não existe nenhuma ordem judicial de prisão. Então ele não está na condição de foragido ele está livre como diz a constituição, resguardado no seu direito de ir e vir”, finaliza o delegado.

Posição da AssociaçãoIsaque Ximenes, presidente da Associação de Policiais Militares explica que os casos de desentendimento entre as polícias têm acontecido com mais frequência principalmente pela forma que os delegados tratam os policiais militares.

“Os policiais reclamam que quando chegam lá na Defla e apresentam o indivíduo em flagrante são tratados de forma muito ríspida, isso vem ocorrendo sempre. Já está virando uma rotina”, esclarece.

Apesar da repercussão do problema, para Isaque não existe uma crise ainda, pois as corporações estão acima dos indivíduos que não colaboram com a integração.“Eu não diria que existe uma crise entre a Polícia Civil e Militar, eu diria existe uma relação de desentendimento com um grupo pequeno, não e com toda a Polícia Civil”, avalia

Segundo ele, os problemas entre delegados e PMs estão sendo relatados e a Associação está procurando agir de forma diplomática para resolver as diferenças entre as corporações.

“Nós já fizemos vários relatórios falando da forma como eles tratam os policiais militares. Existem processos, denúncias e a gente tem que tomar uma providência, porque nós queremos ter uma saída diplomática para o caso e por isso estamos nos preparando para evitar que essa situação não chegue aos extremos e que haja atitudes extremas”, explica.

Fonte: G1

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