A desmilitarização da Polícia Militar está na ordem do dia. Dois
projetos de emendas à Constituição (PEC) tramitam no Congresso Nacional
tendo em vista a unificação das polícias sob uma mesma formação civil.
Além disso, movimentos sociais estão se mobilizando em prol das
mudanças. A pressão também vêm de dentro da corporação. Embora não
possam expressar abertamente suas opiniões, alguns oficiais começam a
romper a lei do silêncio. Um deles é Adilson Paes de Souza,
tenente-coronel da PM de São Paulo. Em sua dissertação de mestrado, o
oficial entrevistou policiais para descobrir as causas de eles terem
cometido a prática do homicídio. Uma das constatações foi a de que a
ideologia da guerra e do combate ao inimigo ainda persiste nos dias
atuais, mesmo com o fim da Ditadura Militar. Há também um certo
descrédito nas instituições, o que leva muitos PMs a fazer justiça por
conta própria. A pesquisa virou livro, com o título “O Guardião da
Cidade”. Paes de Souza conversou sobre alguns temas de seu estudo com a
coluna:
Em que aspectos as políticas de segurança pública da época da Ditadura se mantêm nas atuais políticas?
Paes de Souza -
Na essência, a estrutura da segurança pública é a mesma da Ditadura. As
polícias continuaram a receber o tratamento de forças auxiliares e
reserva do Exército e os seus integrantes são classificados como
militares dos estados. A eles, se aplica o Código Penal e o Código de
Processo Penal Militar, tal qual aos membros das forças armadas.
Como a questão da desmilitarização é vista no interior da PM? Há apoio a essa ideia entre oficiais e praças?
Paes de Souza - Há
uma pesquisa recente divulgada pelo professor Luis Eduardo Soares onde
consta que a maioria dos praças é a favor da desmilitarização.
Dentre os modelos internacionais de policiamento que o senhor conhece, quais poderiam servir de exemplo para o Brasil?
Paes de Souza -
Não sou estudioso sobre este tema, mas o que vi indica que nos EUA 88%
da população confiam na polícia. Na Inglaterra, o índice é de 82 %. Lá, a
polícia tem natureza civil e é chefiada por um civil. Na Inglaterra,
existe a Comissão Independente de Polícia. Creio que são dois bons
modelos a serem estudados e que podem servir de exemplo para nós. Nos
EUA, o exemplo dado na prisão de um dos suspeitos do atentado da
maratona de Boston é de suma importância. Naquele episódio, após tudo o
que eles fizeram, após terem matado um policial, o que se viu foi o
esforço em prender com vida os suspeitos. Isso demonstra que há algo
sedimentado que informa a atuação do policial e que faz com que ele não
exceda os limites de sua atuação e que atue dentro dos limites que a lei
lhe confere.
Em que medida o senhor acredita que a população sanciona práticas autoritárias da PM?
Paes de Souza -
A população quer uma solução rápida para o problema da falta de
segurança. Ela não sente o Estado próximo e pronto para satisfazer suas
necessidades. A sensação de insegurança é acentuada. Além do que há
determinados setores da mídia que fazem ampla difusão da violência, em
tom alarmante, o que colabora para agravar o quadro. Tudo isso faz com
que a população veja na violência o meio mais eficaz para atender aos
seus anseios.
É possível termos uma polícia verdadeiramente “comunitária” no Brasil?
Paes de Souza -
Sim, desde que ocorra uma profunda alteração no sistema de segurança
pública que rompa com o passado e que seja compatível com a democracia. A
transparência e a prestação de contas (accountability) assumem um papel
importante nesse processo.
FONTE: JORNAL O POVO
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