Cariocas usam aplicativos para saber onde está havendo tiroteio

Devido à escalada da violência na cidade, moradores buscam na internet informação sobre locais de confrontos armados; em um ano, foram 3.829 trocas de tiros

Os tiroteios em diversas partes do Rio de Janeiro transformaram a forma de comunicação entre moradores, que estão usando cada vez mais a internet para chamar a atenção para os conflitos no momento em que estão ocorrendo, como forma de se proteger do perigo nos deslocamentos dentro das próprias comunidades ou na volta para casa.
No Complexo do Alemão, na zona norte do Rio, o jornal Voz da Comunidade foi criado há 12 anos com o objetivo de difundir atividades ligadas à cidadania e cobrar direitos e serviços. No entanto, com o aumento da violência, os moradores passaram a usar o WhatsApp da publicação para se comunicar sobre a ocorrência dos tiroteios frequentes.
“Para o relato de morador sobre tiroteio, a gente usa o WhatsApp, até para não contaminar, porque no jornal a gente dá a notícia voltada para o serviço de cidadania e a cobertura de cidade. O Complexo do Alemão tem 13 favelas. A gente tem grupos no WhatsApp nessas 13 favelas e aí faz a transmissão. São muitas pessoas pedindo, por dia, para entrar nos grupos. As nossas redes sociais são para comunicar não só histórias positivas dentro da favela, mas também problemas sociais como lixo, casa caindo”, contou a jornalista Maria Carolina Morganti, de 25 anos, que atualmente é chefe de redação do Voz da Comunidade.
No período de 12 anos, o jornal se expandiu e passou a ser distribuído em mais 15 comunidades, como a Maré e a Cidade de Deus. Para Maria Carolina, o valor social das comunicações extrapolou para o novo meio. “A gente alerta os moradores por onde ir. A gente apura. O caveirão [carro da Polícia Militar] está lá, não vai. É muito funcional. O que está em jogo é a vida dos moradores. É um aplicativo gratuito que funciona bem”, disse.
No site Fogo Cruzado, criado para divulgar informações que servem para estudos sobre onde e quando ocorrem os tiroteios, os dados são atualizados frequentemente. O site também publica estudos feitos em parceria com a Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV/DAPP). Segundo a jornalista Cecília Olliveira, gestora de dados do site, além de pesquisadores ou jornalistas em busca de informação, também acessa a página quem procura saber se tem tiroteio perto de casa ou em algum lugar para onde está indo. “As pessoas estão atemorizadas. Elas realmente buscam mais informação sobre o que está acontecendo, como, onde e por quê. Tem inclusive a porta aberta para os boatos”, acrescentou.
De acordo com a jornalista, o Fogo Cruzado tem a preocupação de checar as informações que recebe para garantir a distribuição de dados de qualidade. “Temos vários filtros nas redes, em que conseguimos cruzar as informações de mais pessoas, saber se tem outras ocorrências na mesma área. Geralmente, quando há uma situação assim, várias pessoas estão falando sobre a mesma coisa”, disse. Segundo ela, o número de downloads do aplicativo tem aumentado mês a mês e já atingiu 95 mil pessoas. No Twitter, o Fogo Cruzado tem 5.834 seguidores, que são atualizados sobre a ocorrência de tiroteios.
Transtornos
Para a psicóloga e pesquisadora do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB) Herika Cristina da Silva, a violência urbana chegou a um nível tão elevado que as pessoas estão com medo exacerbado e sobressaltadas com a necessidade de colher informações sobre a ocorrência de algum evento. Ela destacou, no entanto, que a utilização dos aplicativos para esse fim pode piorar a situação. “Ao mesmo tempo em que pode ajudar a sair de uma situação de violência, acaba levando a pessoa a ficar cada vez mais exposta ao conhecimento dessas situações. Pode ajudar a aumentar o nosso medo e essa sensação de vulnerabilidade e de insegurança, porque a pessoa se expõe a mais situações.”
Na visão da psicóloga, o impacto da violência urbana, em geral, na saúde mental das pessoas tem sido comprovado em estudos. Pesquisas mostram que o aumento da violência interpessoal tem potencial maior para causar Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT). “O aumento da violência no Rio de Janeiro, nos últimos tempos, vai ter impacto muito grande, já que a violência urbana afeta a vida das pessoas até mais que outros traumas. Então, há um aumento dos transtornos pós-traumáticos nos moradores, que são desencadeados por eventos traumáticos, mas também transtornos de ansiedade e depressão”, contou.

Com informações da revista VEJA


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