Ceará: O risco de sumir nas mãos do crime

FOTO ILUSTRATIVA 

As periferias de Fortaleza e da Região Metropolitana viraram lugares de desaparecer pessoas. Sumir se tornou parte do cotidiano. O fenômeno, não percebido no lado mais assistido da cidade, ganhou contornos de terror na zona empobrecida. Foi depois que as facções criminosas passaram a se inscrever como poder na disputa dos territórios pelo tráfico de drogas no Ceará, notadamente a partir de 2015. Por medo de represália ou envolvimento direto com o crime, as histórias dificilmente são narradas em boletins de ocorrência ou chegam aos organismos públicos que lidam com vítimas da violência urbana no Estado.

A vida de quem mora nesses cantos “sombreados” pelo medo passou a ser um inferno. Principalmente para os cidadãos, mas também para os criminosos. O POVO conta, a partir de hoje, narrativas sobre desaparecidos e o tormento de ter de conviver com a possibilidade de sumir nas mãos das facções de traficantes.

Sexta-feira, 13 de dezembro de 2017, 18h17min. Na sede da Delegacia de Polícia Metropolitana de Caucaia, um pai, de 37 anos, relata que a filha, Vitória Rayane Ferreira, está sob ameaça de uma facção. É que a garota, de apenas 13 anos, havia testemunhado o assassinato da amiga Antônia Monalisa Fernandes, 14 anos. A garota também está na delegacia.

Para uma delegada e uma escrivã, o pai de Rayane conta que a filha, após se encontrar com a amiga Monalisa, teria ido para uma festa em uma praia do litoral de Caucaia (Região Metropolitana de Fortaleza). Saiu, segundo o pai, sem seu consentimento. Apesar dos 13 anos, ele diz, a filha “tinha o costume de sair sem dizer para onde ia”. E sempre foi “uma peleja” para que informasse o destino e de quem se acompanhava.

Naquela sexta de dezembro a história mudaria de enredo. Segundo depoimento do pai, um dia depois de ganhar o mundo, Rayane “voltou assustada para casa”. Era madrugada do sábado, por volta das 5 horas. “Pai, me bota eu pra dentro que mataram a Monalisa agora. Se não, vão me matar também”, reproduziu o pai na delegacia.

Rayane, de acordo com depoimento, afirnou que pelo menos nove pessoas, entre elas mulheres, participaram da execução de Monalisa. A garota foi assassinada e o corpo ocultado “por causa de facção”.

Mas a causa não é clara no inquérito. Entre os matadores estariam um homem conhecido por “Mateus e outro por GTA”.

Na delegacia, a adolescente, ouvida em termo de declaração e numa conversa confusa, afirma que Monalisa depois de ser executada foi levada para ser enterrada “pro lado do Bom Jesus”, uma bairro de Caucaia. E que “vocês (os policiais) não vão encontrar o corpo dela inteiro, não”, disse.

Sem proteção do Estado na condição de testemunha, adolescente e moradora de uma comunidade tomada pelo ódio entre facções, Rayane foi assassinada no dia 28/12/2017. Semanas depois de ter ido à delegacia. O pai da menina e outros familiares, segundo o escrivão Josenildo Menezes, 54, tiveram de ir embora do Ceará.

Os restos mortais de Monalisa só foram encontrados este ano, no dia 12/4, durante a Operação Soure – protagonizada pela Delegacia Metropolitana de Caucaia. A garota foi esquartejada e parte do corpo ocultado em um terreno próximo ao prédio da Justiça, em Caucaia. Os policiais chegaram ao local depois da prisão e confissão de Francisco Fábio, 20. Um dos autores das barbáries.

O caso das adolescentes Rayane e Monalisa, de acordo com o Josenildo Menezes, é uma das pontas de uma teia criminosa que revelou a relação entre pelo menos 26 execuções. Muitos dos assassinatos precedidos pelo desaparecimento das pessoas, no caso seis. Vítimas que tinham ou não envolvimento na disputa entre as facções Comando Vermelho (CV) e Guardião do Estado (GDE) pelo território do tráfico, principalmente, nas comunidades de Itambé I e II, na periferia de Caucaia.

Homicídios

522 crianças/adolescentes foram mortos no Ceará em 2017

48 foram assassinadas, no ano passado, em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza

15 foram executadas primeiro trimestre de 2018 em Caucaia

SEM B.O.

Em 2015, com fim do pacto de “paz” entre as facções no Ceará, pessoas começaram a desaparecer nas comunidades. Rivais passaram a sequestrar inimigos e sumir com os corpos. No meio do terror, cidadãos também somem por cisma dos faccionados; desconfiança de de deduragem à polícia ou quebra de regra imposta na favela. O medo impede o registro dos desaparecimentos em boletins de ocorrência.

FONTE: O POVO


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