
O número de policiais militares que se licenciam alegando problemas
psíquicos é maior a cada ano, segundo dados da Associação de Praças da
Polícia Militar e Corpo de Bombeiros do Ceará (Aspramece). Conforme a
Instituição, em 2013, foram homologados 1.529 afastamentos, por motivos
desta natureza. Somente neste ano (de janeiro a março), já seriam 661.
Para o presidente da Aspramece, Pedro Queiroz, o aumento de licenças é
fruto de vários fatores, entre eles, o efetivo reduzido. "Com a
quantidade reduzida de PMs, eles são sobrecarregados e isto adoece o
físico e o psicológico. Para piorar, tem o assédio moral dos gestores
que não entendem que seus comandados estão doentes".
Pedro Queiroz declarou, ainda, que não há acompanhamento por parte da
Corporação para militares que foram submetidos a situações traumáticas.
"Nós presenciamos cenas fortes com constância, muitas delas envolvem
mortes. São ocorrências de alta complexidade, que temos que 'digerir'
sem auxílio de nenhum profissional que possa avaliar nosso emocional. Só
quem vive entre os muros de um quartel sabe do estresse absurdo que
estou falando".
Para P. Queiroz, a gratificação para policiais que cumprirem metas,
oferecida pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), é
um fator que irá alavancar o número de PMs sob efeito de psicotrópicos
nas ruas. "É grave que uma pessoa com a capacidade alterada porte uma
arma, mas isto existe e não é pouco, até porque é comum o policial
sofrer represálias, como transferências, por pedir licenças médicas,
então, eles a evitam. Vão acabar demonstrando estarem aptos ao trabalho,
para ganharem as gratificações, quando não estão capacitados a estarem
nas ruas", disse.
Segundo ele, existe também um número crescente de aposentadoria de
jovens, por este mesmo motivo. "Temos um caso emblemático de um soldado
que foi aposentado aos 23 anos, por problemas psíquicos. O jovem foi
avaliado e atestado como incapacitado, de forma irreversível".
Comando
O comandante da Polícia Militar do Ceará, coronel Lauro Prado, disse
que o número de 1,5 mil licenças é cumulativo e não corresponde a
quantos PMs estão afastados, de fato. "Mil e quinhentos são todos os PMs
que tiraram licença durante o ano de 2013. Nossa média é de 200
afastamentos reais, por mês, por problemas psiquiátricos. 1,5 mil não
corresponde nem a média dos afastamentos totais mensais, que é de 800
PMs. Os problemas psíquicos não são nem o principal motivo de
afastamento. O que mais se atesta nas licenças são lesões. Para o
comandante da PM, os transtornos psiquiátricos não podem ser atrelados à
função do militar, mas encarado como doença social, que acomete muitas
outras profissões. O coronel informou que os PMs que são atestados com
algum problema desta natureza são encaminhados ao atendimento
psicossocial garantido pela Corporação.
"Caso estejam com o equilíbrio emocional abalado, eles vão para o
acompanhamento. Se a junta médica acha adequado o afastamento, nós não
nos opomos de maneira nenhuma a isto. Se a licença não for necessária,
mas os médicos acharem que aquele profissional não deve desempenhar
funções ostensivas, assim o fazemos também". Prado disse que nenhum PM
sob efeito de psicotrópicos, ansiolíticos e antidepressivos está nas
ruas combatendo crimes.
"Este é um cuidado grande que nós temos. Mesmo que o médico diga que um
PM, que está sob o uso de medicação controlada pode exercer sua função
normalmente, nós não autorizamos que ele vá para a rua. Ele irá para o
trabalho administrativo burocrático e perde, automaticamente, o porte de
arma". Lauro Prado disse que esta é uma forma de proteger a sociedade e
até mesmo a vida do PM.
Para o coronel, a função de policial é estressante e muitos são os
fatores que podem causar transtornos, e isto justifica o afastamento das
funções ostensivas. "São confrontos que envolvem armas de fogo,
situações de risco diversas, noites acordados, lesões. Muitas vezes
presenciamos a morte de um colega. Isto tudo pode ser traumático. Quando
vamos ingressar na PM, somos submetidos a diversos testes
psico-técnicos, exatamente, para que sejamos avaliados quanto a nossa
capacidade de lidar com certas situações que são mesmo difíceis",
considera.
Documentos fraudulentos já motivaram expulsões
Nem todas as licenças médicas homologadas são condizentes com a verdadeira situação de saúde dos requerentes, de acordo com o responsável pela Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário do Ceará (CGD), Santiago Amaral. O controlador disse que vários casos de licenças conseguidas de forma fraudulenta já chegaram à Instituição e já foram motivos de expulsões de militares.
Nem todas as licenças médicas homologadas são condizentes com a verdadeira situação de saúde dos requerentes, de acordo com o responsável pela Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário do Ceará (CGD), Santiago Amaral. O controlador disse que vários casos de licenças conseguidas de forma fraudulenta já chegaram à Instituição e já foram motivos de expulsões de militares.
Segundo ele, são investigados somente policiais que são denunciados
pelos próprios integrantes da Corporação, ou por terceiros. "Existem
casos em que o PM está afastado para não desempenhar suas funções
ostensivas, mas está fazendo um trabalho semelhante, em outro local.
Isto não justifica".
Santiago Amaral declarou que são considerados fraudulentos os
afastamentos em que o PM não está doente, ou, obteve o documento de
forma ilegal. "Já analisamos processos que o PM não foi nem consultado e
conseguiu um atestado. Em outro, o médico que deu o diagnóstico foi
ouvido e disse que aquela não era a assinatura dele e nós provamos que
realmente não era".
Para o controlador, não é tarefa e nem capacidade da CGD contestar
laudos médicos. "Não sou médico e não posso, de maneira alguma,
questionar um laudo. O que faço é investigar os meios que os fraudadores
conseguiram para obter a licença".
Os policiais que forem flagrados fraudando licenças podem responder
administrativamente e até criminalmente. Santiago lembra que o direito
ao afastamento deve ser garantido às pessoas que precisem dele. "Nós não
temos nenhum preconceito ou prevenção contra policiais que se
licenciem, desde que essas licenças sejam necessárias. Como órgão
fiscalizador e de controle temos o dever de apurar os que, por ventura,
ferirem o princípio da verdade".
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Um ser que também adoece
Um ser que também adoece
Vivemos um momento em que o trabalho dos policiais aparece em foco, mas
poderíamos ampliar nosso olhar para além dos trabalhadores e ver os
seres humanos que estão adoecendo. De acordo com dados da Perícia Médica
do Estado, em média 10 PMs entram com pedido de licenças médicas, por
dia, por motivos físicos e psicológicos. Em 2012, os policiais eram a
segunda categoria que mais adoecia, estando atrás dos professores.
Mas por que número de licenças psicológicas, vem aumentando? Podemos
citar a própria atividade policial, que demanda altos níveis de
disponibilidade, aceitação da incerteza, mobilização física e mental,
além da proximidade diária da morte. Com base nos próprios militares,
percebemos que o problema vem desde o defasado número de
policiais/habitantes, aos baixos salários, as condições de trabalho com
jornada não determinada, dentre outros.
O fator principal de desmotivação e adoecimento é a falta de
investimento no homem. Os policiais não se sentem reconhecidos seja pelo
Estado ou pela sociedade. Como não adoecer num contexto de trabalho
como este? Como se tratar, ou, como retornar ao trabalho se não há
nenhum cuidado e apoio aos policiais? Às vezes parece que esquecemos que
os policiais também são gente.
Rebeca Moreira Rangel
Psicóloga voluntária do BPChoque da PM
Psicóloga voluntária do BPChoque da PM
FONTE: DIARIO DO NORDESTE

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